13 de janeiro de 2011

Cessação Tabágica

O tabagismo

O tabagismo é considerado um grave problema de Saúde Pública, constituindo umas das principais causas evitáveis de morbilidade, incapacidade e mortalidade. É uma das principais causas de morte prematura e de desenvolvimento de numerosas doenças, das quais se destacam as neoplasias em diversas localizações, as doenças do foro respiratório e cardiovascular. Estima-se que, por ano e em todo o mundo, cinco milhões de pessoas morrem na sequência de doenças relacionadas com o tabaco. Se esta tendência se mantiver, a OMS prevê que em 2020 o número possa subir até dez milhões.

O tabaco é uma substância psicoactiva, isto é, tem efeitos sobre o Sistema Nervoso Central e pode provocar dependência. A nicotina, uma vez absorvida, atinge o cérebro em dez segundos. A este nível activa os receptores colinérgicos nicotínicos situados no mesencéfalo, levando à produção de dopamina e à sua libertação através de neurónios no núcleo accumbens, zona cerebral muito importante na aprendizagem, em particular na atenção e na memória, bem como na motivação dos comportamentos (OMS, 2004; Rosas & Baptista, 2002). A nicotina é um estimulante psicomotor e, nos novos utilizadores, reduz o tempo de reacção, melhora a atenção e a memória, reduz o stresse e a ansiedade e diminui o apetite. No entanto, tal como outras drogas, quando o tabaco é utilizado de forma regular leva ao desenvolvimento de tolerância, ou seja: a exposição repetida à mesma quantidade de nicotina conduz à redução dos efeitos inicialmente verificados, o que pode levar ao aumento das doses consumidas (passa haver necessidade de consumir maior quantidade para atingir o mesmo efeito). A cessação abrupta do seu consumo ou a redução significativa da dose de nicotina num fumador crónico conduz a sintomas de privação (por exemplo, irritabilidade, ansiedade, insónia, cansaço, desejo compulsivo de fumar e dificuldade de concentração).


O vício de fumar não atinge apenas a saúde do fumador mas prejudica gravemente o bem-estar e a saúde das pessoas em seu redor – fumadores passivos. Em casa, os filhos que estão expostos ao fumo do cigarro correm mais riscos de contraírem infecções respiratórias e do ouvido (otites), bem como de sofrerem crises de asma mais graves. As pessoas expostas ao fumo ambiental do tabaco têm maior probabilidade de vir a contrair cancro do pulmão e doenças cardiovasculares, bem como diversas patologias respiratórias de natureza aguda e crónica.


O consumo de tabaco na infância ou na adolescência tem consequências imediatas, é lesivo para a maturação e função pulmonar, contribui para agravar a asma ou dificultar o seu controlo bem como a sintomatologia respiratória associada, diminui o rendimento físico e altera negativamente os lípidos no sangue. Na mulher, o consumo de tabaco contribui para a diminuição da fertilidade, para uma menopausa mais precoce, para o aparecimento da osteoporose e, em conjugação com a pílula contraceptiva combinada, nas mulheres com mais de 35 anos, para um risco de doença cardiovascular. Na gravidez, o consumo regular de tabaco, aumenta a probabilidade dos recém-nascidos terem baixo peso ao nascer, prematuridade, placenta prévia, descolamento da placenta e mortalidade perinatal. Há evidência sugestiva na literatura de que possa aumentar também o risco de aborto espontâneo.


No nosso país, o consumo de tabaco é como em todo mundo, uma das principais causas de morbilidade e mortalidade evitáveis. Estima-se que em 2000 tenha sido responsável por 85% das mortes por cancro do pulmão, por 26% do total de mortes por cancro e, por 9% do total de mortes por doenças cardiovasculares verificadas nos homens (Peto & Lopez, 2005 citados por Nunes, 2007). De acordo com dados recolhidos em 2005/2006, a prevalência do consumo tabágico na região centro é de 27,9% nos homens e de 9,2% nas mulheres (Falcão, 2007 citado por Rosendo, Fonseca, Guedes & Martins, 2009). De acordo com Pestana (2006 citado por Rosendo, Fonseca, Guedes & Martins, 2009), o nosso país tem a prevalência global a diminuir e o consumo entre as mulheres a aumentar. O Inquérito Nacional de Saúde revela uma tendência crescente da prevalência de mulheres fumadoras, em especial em idades jovens (Dias, Martins & Graça, 2001, Rabiais & Dias, 2005, Dias & Graça, 2001 citados por Machado, A., Nicolau, R. & Dias, C., 2009).


A análise da evolução da legislação portuguesa sobre o tabaco, permite inferir que esta tem constituído uma arma de combate ao tabagismo e que, esse combate deve ser alicerçado no reforço da legislação e na criação de instrumentos que fiscalizem e que levem ao respeito rigoroso da mesma. É necessário que a política seja compreensiva e inovadora, de modo a contribuir para a implementação de estratégias de prevenção e controlo do tabagismo, que contribuam efectivamente para ganhos em saúde para todos os cidadãos.


Importante será enfatizar que o tabaco é um dos principais factores de risco para doenças cardiovasculares e respiratórias (Machado, Nicolau & Dias, 2009; Rosendo, Fonseca, Guedes & Martins, 2009), sendo a primeira causa de doença evitável e tratável no mundo ocidental (Rosendo, Fonseca, Guedes & Martins, 2009; Sociedade Portuguesa de Pneumologia). A cessação tabágica em qualquer idade reduz o risco de doença prematura e, segundo alguma literatura, é das medidas mais efectivas e com melhor relação custo/efectividade, melhorando e prolongando a vida dos doentes com doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) (Rosendo, Fonseca, Guedes & Martins, 2009). Vários são os estudos que revelam que os fumadores com patologias relacionadas com o tabaco e os fumadores que iniciaram consumo recentemente, ainda que sofrendo de sintomas respiratórios que relacionam o tabaco, estão mais motivados para a cessação tabágica (Hederscheê, 1992, Quist-Paulsen, Bakke & Gallefoss, 2005 citados por Rosendo, Fonseca, Guedes & Martins, 2009).

Os benefícios imediatos de deixar de fumar são múltiplos e significativos. Ao fim do primeiro dia a pressão arterial tende a normalizar, os níveis de nicotina baixam para metade e o monóxido de carbono começa a ser eliminado. Ao segundo dia deixa de existir nicotina no organismo e os sentidos do olfacto e paladar melhoram significativamente. A tosse, o catarro e a pieira abrandam, enquanto a função pulmonar regulariza gradualmente nos dias e semanas seguintes. Além disso, a pessoa notará também diferença no hálito, cheiro da roupa e no dinheiro que poupará todos os dias.



O comportamento associado ao início e manutenção do consumo de tabaco engloba uma complexa rede de inter-relações entre factores comportamentais, sociais, psicológicos, bioquímicos, económicos e políticos. Estes factores condicionam a iniciação do consumo do tabaco, primeiro de forma esporádica, depois de forma habitual. O conhecimento de dados epidemiológicos acerca dos padrões de consumo de tabaco, das suas consequências na saúde dos indivíduos e das populações e dos factores que os determinam, assume grande importância para o planeamento de programas de intervenção.
 
Dados de 1999 apontam para cerca de 1,1 biliões de fumadores em todo o mundo, cerca de um terço da população global com idade superior a 15 anos (OMS, 2001 citado por Igreja, 2009). Existem diferenças importantes na prevalência de fumadores entre as várias regiões do mundo, em particular, na prevalência de mulheres, a qual é maior nos países da Europa oriental e da Ásia central e muito mais baixa nos países da Ásia oriental e do Pacífico (World Bank, 1999 citado por Igreja, 2009). Em termos de saúde pública, na União Europeia, verificam-se algumas tendências particularmente alarmantes relativamente à prevalência do consumo de tabaco: a prevalência do tabagismo entre as mulheres continua aumentar em seis países (Portugal, Espanha, Itália, Grécia, Luxemburgo e Áustria), devido sobretudo, à incidência crescente do hábito de fumar nas mulheres mais novas; na maioria dos países, o número de jovens que se inicia no hábito de fumar é cada vez maior (Joossens, 1999 citado por Igreja, 2009).
 
A nicotina é um alcalóide tóxico que causa diversos efeitos, constituindo o principal alcalóide do tabaco e pode ser absorvida por várias vias. O tabagismo causa dependência psicológica e física, cuja natureza e intensidade são variáveis de um fumador para outro, estando essa dependência relacionada com características farmacológicas da nicotina. A dependência da nicotina é hoje reconhecida como um distúrbio mental perfeitamente caracterizado pelo comportamento compulsivo de auto-administração que, leva a tolerância por um síndroma de abstinência característico da nicotina e pelo desejo persistente de cessar o consumo de tabaco, o qual pode ser repetidamente frustrado (APA, 2002). Relativamente à dependência da nicotina, o DSM-IV oferece sete critérios para dependência de substâncias psicoactivas, que são aplicáveis à nicotina:



1. Usar a substância em quantidades maiores ou por um período de tempo maior do que o pretendido;


2. Tentativas ou desejo persistente em reduzir ou parar de usar a substância;


3. Gastar muito tempo para obtenção da substância;


4. Prejuízo das actividades sociais, ocupacionais ou recreacionais por causa do uso da substância;


5. Persistência no uso da substância a despeito do conhecimento de que está causando prejuízo físico ou psicológico;


6. Desenvolvimento de tolerância, o que significa que a mesma dose torna-se menos eficaz com o uso continuado;


Presença de sintomas de abstinência, no caso da nicotina: irritabilidade, ansiedade, depressão, diminuição da concentração, inquietação, insónia ou hipersónia, aumento de apetite ou de peso, diminuição dos batimentos cardíacos e diminuição da pressão arterial. Na verdade, muitos fumadores parecem usar o tabaco de acordo com um modelo cíclico clássico de dependência de drogas em que, inicialmente, se procuram os efeitos benéficos da nicotina mas, o que mantém o indivíduo a fumar é o alívio dos sintomas de abstinência (APA, 2002).

As medidas políticas restritivas adoptadas mais recentemente no nosso país, provavelmente terão um efeito semelhante ao que aconteceu com outros países, isto significa a extinção do comportamento de fumar naquelas pessoas que possivelmente fumavam mais socialmente (redução da componente de condicionamento), por influência de pares, cuja dependência física não é muito elevada (Irvin, Hendricks & Brandon, 2003 citado por Guerra, Queirós, Torres, Vieira, Branco & Garrett, 2008).



Estas e outras mudanças fizeram também alterar as linhas mestras de intervenção na dependência tabágica. Actualmente, e paralelamente ao objectivo central da cessação, faz sentido um outro que é definido como a redução de danos (Eissenberg, 2007, Fagerström, 2007, McNeill, 2004, Royal College of Psysicians, 2007 citados por Guerra, Queirós, Torres, Vieira, Branco & Garrett, 2008). A redução de danos procura, além de uma redução de consumo de tabaco, permitir a associação deste concomitante ao uso de produtos de substituição nicotínica, restrito por exemplo às pastilhas elásticas e inaladores e, minimizar os efeitos nefastos através do controlo na venda dos produtos com nicotina sob várias formas de administração, inclusive os farmacológicos (College of Psysicians, 2007 citado por Guerra, Queirós, Torres, Vieira, Branco & Garrett, 2008). Assim, de acordo com a literatura, a redução de danos pode ser preditora da cessação (Falba, Jofre-Bonet, Bush, Duchovny & Sindelar, 2004, Orive, 2007 citados por Guerra, Queirós, Torres, Vieira, Branco & Garrett, 2008), não havendo ainda estudos suficientes que reforcem os benefícios de uma redução de danos a longo prazo para a saúde ou qualidade de vida (Goldfredson, Prescott & Osler, 2005 citado por Guerra, Queirós, Torres, Vieira, Branco & Garrett, 2008). No nosso país, ela é apresentada ao fumador como uma possível terapêutica, mas a maioria das acções formativas que estão a ser implementadas com técnicos de saúde para a intervenção na dependência tabágica não contemplam ainda este tipo de abordagem (Guerra, Queirós, Torres, Vieira, Branco & Garrett, 2008).

Fumar está igualmente associado a factores de condicionamento do comportamento (efeitos gratificantes provocados pela nicotina), a processos cognitivos (crenças, expectativas, imagem corporal) e emocionais. A publicidade e a pressão social para o consumo são também factores com elevado impacto na população, nomeadamente, nos jovens (Pomerleau, 1984, Hoving, Reubsaet & Vries, 2007, Becoña, 1993 citados por Nunes, 2007).


Intervenção - Recomendações gerais


Na literatura fala-se num processo de dependência psicossocial paralelamente à dependência química (Guerra, 2004). Fumar, trata-se da aquisição de um hábito que é companheiro da pessoa, desde que se levanta até que se deita. Independentemente de ser um hábito social ligado ao convívio e estimulado nalgumas ocasiões especiais onde é permitido e reforçado até, ele pode ser também, de um ponto de vista psicológico, um mecanismo de coping que, por exemplo, acompanha o indivíduo ocupando as mãos enquanto conversa, fala ao telefone ou pensa na resolução de problemas (Guerra, 2004). Assim, extinguir um hábito que deixa de ser unicamente psicológico ou físico mas que abrange uma dimensão social, torna-se complexo.   

O processo de mudança relativamente a comportamentos associados com a saúde tem sido explicado por vários teóricos, sendo que a maioria deles tem em conta diversos tipos de variáveis tais como: a percepção da vulnerabilidade ao problema; a sua gravidade; os obstáculos; os benefícios aderentes à mudança e; a percepção da auto-eficácia para a mudança. Se a pessoa não estiver de forma voluntária, convencida de que é capaz de mudar, não terá motivação suficiente para iniciar o processo (Peto, Lopez, Boreham & Thun, 2006 citados por Igreja, 2009).



Para o estudo do processo de mudança comportamental relativamente ao tabaco tem vindo a ser adoptado o modelo transteórico proposto por Prochaska e DiClemente, o qual ajuda a sistematizar as intervenções em função do estádio de mudança, pois, a classificação do fumador num destes estádios, permite avaliar se está motivado ou não para deixar de fumar (Prochaska & DiClemente, 1982 citados por Igreja, 2009), embora o processo de mudança, frequentemente, não evolua de acordo com este modelo (Riemsma, Pattenden, Bridle et al., 2003 citado por Igreja, 2009).


A motivação para deixar de fumar difere de fumador para fumador, e para avaliar este constructo Prochaska e DiClemente consideram a existência de cinco fases de mudança comportamental (pré-contemplação, contemplação, preparação, acção e manutenção) fundamentais no processo de cessação de tabágica e às quais se poderá seguir uma recaída ou a abstinência definitiva (Prochaska & DiClemente, 1982 citados por Igreja, 2009, citados por Rosas & Baptista, 2002).

Fumar é um comportamento que se explica, como já foi referido, por vários factores. O aconselhamento dos fumadores para parar de fumar é uma vertente fundamental no processo de apoio à cessação tabágica, podendo, nalguns casos, ser suficiente para ajudar a parar, sem necessidade de prescrição farmacológica. Rollnick & Miller (1991 citados por Nunes, 2007; Rollnick & Miller, 2001 citado por Santos, 2006) enfatizam alguns princípios que devem estar presentes no processo de aconselhamento de forma a torna-lo mais útil na resolução da ambivalência e no aumento da motivação. Segundo a mesma literatura a entrevista motivacional é um modo de aconselhamento directivo, centrado na pessoa, propondo-se a estimular uma alteração comportamental através de mecanismos de exploração e resolução da ambivalência e do reforço do grau de prontidão para a mudança. Desta forma, a motivação deve ser entendida como a capacidade de uma pessoa se envolver e aderir a uma estratégia específica de mudança. Ainda de acordo com a mesma literatura, a entrevista motivacional baseia-se fundamentalmente em dois conceitos: ambivalência (a experiência de um conflito psicológico para decidir entre continuar ou parar de fumar) e a prontidão para a mudança, baseada no modelo de estádios de mudança desenvolvido por Prochaska e DiClemente (referidos anteriormente), onde se acredita que a mudança se faz através de um processo e para tal o indivíduo passa por diferentes estádios com características próprias (Santos, 2006). Os objectivos da entrevista motivacional devem ser os seguintes:



- Aumentar o grau de consciência do problema (sentido de importância do problema e necessidade de mudar);


- Explorar e ajudar a resolver a ambivalência;


- Ajudar a ultrapassar os obstáculos – reforçar a auto-eficácia;


- Apoiar o processo de tomada de decisão para a mudança (Rollnick e Miller, 1991 citados por Nunes, 2007).


A entrevista motivacional assenta num conjunto de técnicas de comunicação tais como perguntas abertas, afirmações positivas e de auto-motivação, escuta reflexiva e sínteses (Nunes, 2007; Miller & Rollnick, 2001 citados por Santos, 2006). A abordagem motivacional deve ser adaptada a cada estádio de mudança (referidos anteriormente).


A OMS preconiza que os sistemas de saúde integrem três tipos de intervenção: a intervenção mínima ou breve, a cargo de todos os profissionais de saúde no âmbito da sua actividade clínica diária; a intervenção de apoio intensivo, da responsabilidade dos especialistas em cessação tabágica; e o tratamento farmacológico em ambos os níveis de intervenção (Pascoal, 2005; Igreja, 2009; Soares & Vaz Carneiro, 2002).

Terapia de prevenção da recaída


Durante o processo de cessação tabágica, tem que se ter especial atenção á prevenção das recaídas, dada a grande frequência de recaídas, especialmente nos primeiros seis meses. Entre os factores mais prováveis para as recaídas destacam-se o “craving” (desejo intenso de fumar) e os efeitos da síndrome de abstinência (Killen & Fortemann, 1997 citados por Igreja, 2009). Os estados emocionais são responsáveis por 37% das recaídas e os conflitos interpessoais induzem por 15% (Marlatt & Gordon, 1993 citados por Igreja, 2009). A maioria das recaídas está pois associada ao “afecto negativo”, sendo a pressão social, que inclui a pressão indirecta dos outros para fumar, responsável por um terço adicional das recaídas. A presença de co-morbilidade, em particular de depressão, pode ajudar a explicar cerca de 25% das recaídas (Tonnesen et al., 2007 citados por Igreja, 2009). O sentimento de autoconfiança excessiva quanto ao controlo do seu comportamento, pode também levar o indivíduo a experimentar de novo fumar um cigarro. As recaídas são pois fruto da interacção entre factores individuais, fisiológicos, situacionais e sócio-culturais. As recaídas podem ser enfrentadas através do uso de estratégias básicas (evitar situações de risco, distracção, adiamento), estratégias cognitivas (imaginação, reestruturação cognitiva) e estratégias comportamentais (relaxamento, actividade física, comportamento alternativo). Os profissionais de saúde devem efectuar visitas/telefonemas pró-activos precoces e consultas de seguimento. É importante apoiar os indivíduos ao logo deste processo, relembrar benefícios e apoiar na resolução de problemas que poderão surgir, tais como, aumento de peso, consumo de álcool, depressão e existência de outros fumadores na rede social, no trabalho e em casa (Ministério da Saúde, 2002 citado por Igreja, 2009). É importante que a pessoa mantenha a força de vontade e resista à tentação de fumar "só um cigarro", pois é assim que se pode recomeçar. O aumento de peso constitui um problema que pode dificultar a manutenção da abstinência, pelo que não deve ser negligenciado, em especial nas mulheres. A fim de combater este problema, os fumadores devem ser aconselhados a fazer uma alimentação saudável e a aumentar a actividade física diária (Pestana & Mendes, 1999, Leitzmann, Koebnick, Abnet et al., 2009 citados por Igreja, 2009). Nas situações mais graves, em que se prevê que o aumento de peso possa constituir um problema, deve equacionar-se o encaminhamento para o nutricionista. Para muitas mulheres um pequeno ganho de peso com a cessação tabágica pode significar um preço alto a pagar em termos de auto-imagem (Amos, 1996 citado por Igreja, 2009). Cerca de 80% dos ex-fumadores aumenta de peso e vários estudos mostraram que o aumento médio de peso um ano depois de deixar de fumar foi cerca de 2,5 kg, o que poderá estar relacionado com uma maior ingestão calórica, redução da actividade física e alteração do metabolismo, que deverão ser controlados. Contudo, as pessoas devem ser informadas que os benefícios em deixar de fumar ultrapassam de longe os riscos decorrentes do aumento de peso.
 A identificação de fontes de apoio e o suporte social é também de enorme importância, para que os sujeitos solicitem apoio à família, amigos e colegas de trabalho, obtendo encorajamento e ajuda para os momentos de dúvida. O abandono é também mais difícil se em casa existirem outros fumadores, pelo que se aconselha a que deixem de fumar em simultâneo, ou, pelo menos, não fumem perto dele (Rebelo, 2004 citado por Igreja, 2009). Devem procurar evitar as situações em que mais lhe apeteça fumar, como cafés, bares, restaurantes e companhia de fumadores.

A prevenção da recaída refere-se pois, a uma ampla faixa de estratégias que visam evitar a recaída, sendo o foco principal a manutenção do processo de mudança. A sua finalidade consiste em prevenir a ocorrência de lapsos após o início de um programa de mudança de um comportamento e evitar que qualquer lapso chegue ao ponto de recaída (Marlatt & Gordon, 1993 citados por Igreja, 2009). A recaída, deve ser vista como um processo de aprendizagem e, como tal, os profissionais de saúde devem ajudar o fumador a restabelecer os níveis de autoconfiança e reforçar a motivação para o processo, evitando o abandono e encontrando novas oportunidades para a mudança comportamental. Allan Marlatt foi um dos psicólogos responsáveis pelo desenvolvimento dos primeiros modelos de prevenção da recaída, dando início a uma nova área de investigação e intervenção clínica. No âmbito da prevenção da recaída outro modelo igualmente conhecido é o modelo de Gorski-CENAPS (Gorski & Miller, 1986 citados por Trigo, 2006). A abordagem de Gorski baseia-se num modelo psicoeducativo cujo objectivo é identificar sinais de aviso e reconhecer padrões de recaída que devem ser interpretados de forma preventiva.

A complexidade clínica das toxicodependências implica que os diferentes estádios de tratamento sejam acompanhados por princípios de actuação específicos. Podem-se distinguir três grandes momentos terapêuticos, cada qual exige atitudes e técnicas próprias: (1) as entrevistas de motivação que lidam com os processos de tomada de decisão e com a consciencialização quanto à mudança a operar (Trigo 2005 citado por Trigo, 2006); (2) a fase de desintoxicação e paragem no consumo (Beck, Wrihgt, Newman & Liese, 1993, Bishop, 2001 citados por Trigo, 2006) e; (3) a terapia de prevenção da recaída, manutenção da abstinência e desabituação (Marlatt & Gordon, 1985, Gorski & Miller, 1986 citados por Trigo, 2006). Se recorrêssemos a metáforas para ilustrar cada uma destas fases seriam: “saltar o muro, vencer a vertigem do precipício e atravessar o deserto”.



Embora não seja objectivo deste texto, importa referir que nos processos de recaída nem tudo pertence à esfera sócio-cognitiva. A par dos mecanismos psicossociais existem polimorfismos genéticos importantes na iniciação e manutenção das dependências químicas. No caso concreto do tabagismo, os estudos revelam diferenças no número de receptores cerebrais de nicotina, na taxa de metabolização e sensibilidade à nicotina ou na rapidez com que se desenvolve a tolerância (Nunes, 2007; Tricker, 2003, Tyndale, Pianezza & Sellers, 1999 citados por Trigo, 2006).


Espera-se pois que os diferentes saberes profissionais se organizem em equipas multidisciplinares e se munam de todos os recursos terapêuticos cuja efectividade esteja cientificamente demonstrada, designadamente as abordagens sobre os processos humanos de mudança (Prochaska, Johnson & Lee, 1998 citados por Trigo), a terapia cognitivo-comportamental (Beck, 1993 citado por Trigo, 2006), a terapia racional-emotiva do comportamento (Bishop, 2001 citado por Trigo, 2006), a terapia de substituição nicotínica (Soares & Carneiro, 2002 citados por Trigo, 2006) e a terapia de prevenção da recaída (Gorski, 1989, Gorski & Miller, 1989, Marlatt & Gordon, 1985 citados por Trigo, 2006). Igualmente relevantes são os modelos e teorias sobre a auto-eficácia (Bandura, 1997 citado por Trigo, 2006), a dissonância cognitiva (Festinger, 1975 citado por Trigo, 2006), a crise (Moos & Schaffer, 1984 citados por Trigo, 2006) ou sentido de coerência (Antonovsky, 1987 citado por Trigo, 2006).


O aconselhamento e a abordagem motivacional assumem particular importância no processo de apoio à cessação tabágica e na prevenção de recaídas. Para ajudar o fumador a deixar de fumar e a manter a abstinência, é fundamental, por um lado, compreender os factores que conduziram à iniciação e manutenção do consumo, o perfil de fumador, o grau de dependência, os factores para querer deixar de consumir e, por outro, ser capaz de adequar o aconselhamento ao estádio de mudança em que o fumador se encontra, no sentido de o motivar a progredir, de o ajudar a resolver a ambivalência, de o apoiar no processo de decisão, de o felicitar pelo sucesso alcançado e de o ajudar a não recair (Aveyard & West, 2007, Becoña, 1993, citados por Igreja, 2009). Sabe-se que, em média o ex-fumador recaiu entre três a sete vezes antes de parar definitivamente (Prochaska, DiClemente citados porTrigo, 2006). A elevação da taxa de recaída na nicotino-dependência poderá dever-se à facilidade de acesso aos cigarros, à frequente exposição ao estímulo e à aceitação social em relação ao tabaco (Trigo, 2006). Embora a recaída faça parte do processo de cessação tabágica existem diversas estratégias gerais que podem ajudar o fumador a não recair (Alberg et al., 2007, Pomerleau, Zucker, Stewart, 2001 citados por Nunes, 2007):


- Identificar as situações de alto risco e os estímulos desencadeantes da vontade imperiosa de fumar;


- Aprender a evitar as situações de alto risco e os estímulos desencadeantes;


- Treinar previamente abordagens práticas para lidar com as situações de alto risco (respirar fundo, beber água, andar, telefonar a um amigo);


- Reduzir ou eliminar outros comportamentos habitualmente associados ao consumo de tabaco – café, álcool e doces;


- Evitar estar na proximidade de pessoas a fumar;


- Preparar um plano estratégico para fazer face a uma eventual situação de lapso, para que este não se transforme numa recaída. No caso de terem existido recaídas anteriores devem analisar-se as respectivas causas de forma a retirar ensinamentos para a próxima tentativa;


- Adoptar um estilo de vida mais activo e saudável.


Como se torna evidente, os programas de desabituação não se podem cingir apenas ao controlo inicial do impulso/urgência (urges) do desejo de consumir (craving), uma vez que a curva de recuperação descreve uma trajectória irregular, pautada por lapsos, recaídas e colapsos, ao invés de seguir uma variação estável, linear e dicotómica (abstinente vs. não abstinente). Entende-se por lapso “dar uma passa” ou fumar o resto de um cigarro, acender um cigarro e apagá-lo logo a seguir ou pensar que nunca se sentirá bem sem fumar. Recair implica recomeçar a fumar e por vezes é a forma mais pesada do que anteriormente. O colapso é a forma mais grave de retrocesso, envolvendo a perda de esperança na cessação e/ou deixar de querer parar. Na história de um fumador é habitual encontrar vários lapsos, recaídas e até colapsos (Trigo, 2006). Assim, controlar o consumo de uma substancia psicoactiva não é uma tarefa instantânea mas antes um processo gradual que exige tempo, energia, investimento pessoal e acumulação de aprendizagens. Se o tratamento das dependências não se pode circunscrever à cessação é porque a desabituação depende, simultaneamente, da capacidade para lidar com as expectativas de gratificação associadas ao consumo, da tolerância à frustração, da aprendizagem de novas competências, do reajustamento dos estilos de vida, da capacidade para lidar com a fadiga e, em alguns casos, da reabilitação e reintegração psicossocial. Neste sentido, a dependência de tóxicos não depende tanto do efeito químico da droga sobre o metabolismo mas do comportamento do sujeito em relação aos psicoactivos (Agra & Fernandes, 1993 citados por Trigo, 2006). A dificuldade em interiorizar estes comportamentos justifica que cerca de 90% das pessoas recaia durante a fase inicial da sua primeira tentativa (Polivy & Herman, 2002 citados por Trigo, 2006). Importa pois reconhecer que a mudança humana envolve um equilíbrio dinâmico no qual as forças de mudança se misturam com resistências e forças de estabilização. Este limite para a velocidade da transformação dos processos humanos centrais (ex. experiência pessoal, self, auto-controlo) constitui, simultaneamente, um sistema para auto-protecção da integridade psicológica e do sentido de coerência. Não é por casualidade que as mudanças significativas ocorrem de forma ambivalente e gradual (Mahoney, 1998 citado por Trigo, 2006).

2 comentários:

Anónimo disse...

Olá muito boa tarde,sou aluno de 3º ano de Psicologia e estou a fazer um trabalho sobre o Tabagismo no âmbito da cadeira de Psicologia Clínica e da Saúde e gostaria de saber se seria possível facultarem me mais alguma informação que tenham disponível sobre o assunto.
Com os melhores cumprimentos, Francisco Rachinas

rachinas@hotmail.com

Anónimo disse...

Olá boa tarde eu sou o Francisco já tinha deixado um comentário aqui anteriormente a pedir alguma ajuda e queria desde ja agradecer ter me mandado a bibliografia só que o meu email sofreu uns problemas agradecia que enviasse para este rachinas@sapo.pt
obrigado mais uma vez.