Os transtornos alimentares são cada vez mais o centro das atenções dos profissionais de saúde pois apresentam níveis significativos de comorbilidade e mortalidade (Pinzon & Nogueira, 2004; Sampaio, Bouça, Carmo & Jorge 1999). A BN é uma síndrome recente relacionada com a sociedade ocidental do nosso tempo. Os pacientes com BN são o elo delicado de uma sociedade caracterizada por dois agentes em relação ao corpo: por um lado, o pedido ao consumo alimentar hipercalórico, e por outro lado, o culto ao aspecto corporal magro ou “culto da magreza”, sendo estes agentes muito estimulados pelos meios de comunicação social. Houve mesmo um aumento considerável na incidência das perturbações alimentares em adolescentes nos últimos 30 anos (Raphael & Lacey, 1994, cf. Halliwell & Harvey, 2006) que se prende com o “peso ideal” actual transmitido pelos media (Spitzer, Henderson & Zivian, 1999, cf. Halliwell & Harvey, 2006). O aparecimento desta patologia e aumento da sua incidência poderão estar assim relacionados com factores biológicos, factores socioculturais, complicações do processo de desenvolvimento e de inserção na sociedade, e adversidades na comunicação familiar (Sampaio, Bouça, Carmo & Jorge, 1999).
O que é?
As Perturbações do Comportamento Alimentar são caracterizadas por graves transtornos do comportamento alimentar e entre elas as mais conhecidas são a Anorexia Nervosa (AN) e a BN (APA, 2002). A AN é caracterizada pela recusa em manter um peso corporal mínimo, já a BN caracteriza-se por episódios repetidos de voracidade alimentar, seguidos por comportamentos compensatórios inapropriados, tais como vómito auto-induzido, abuso de laxantes, diuréticos ou outras medicações, jejum ou exercício físico excessivo (APA, 2002). Tanto a AN como a BN têm inerentes uma característica essencial: a distorção da imagem e do peso corporais (APA, 2002). A imagem corporal é descrita como um desconforto geral com o corpo, sentido como não harmónico, cheio e pesado (Sampaio, Bouça, Carmo & Jorge, 1999). Os mesmos autores advogam que subjacente à perturbação da imagem corporal há o recurso à ideia de que o peso e a forma de um corpo magro e controlado são condições fundamentais para se obter valor, auto-estima e auto-realização. Ainda segundo esta literatura, os Distúrbios do Comportamento Alimentar caracterizam-se por uma atitude obsessiva, rígida e distorcida face ao peso, alimentação e gordura corporal.
Na classificação americana da APA (American Psychology Association) existem dois tipos de BN que se distinguem pelos diferentes comportamentos compensatórios inapropriados aos quais o indivíduo recorre: Tipo Purgativo, o indivíduo induz o vómito ou abusa de laxantes, diuréticos ou enemas; Tipo Não Purgativo, a pessoa usa outros comportamentos compensatórios inapropriados, tais como o jejum ou exercício físico exagerado, em vez da indução do vómito, uso de laxantes, diuréticos e enemas. Para alguns autores (Robin, Gilroy & Dennis, 1998) as desordens alimentares das crianças e adolescentes diferem em muito e em muitas formas das desordens alimentares dos adultos e os princípios de diagnóstico para os adultos precisam ser modificados quando se trata de crianças e adolescentes.
Na BN está geralmente presente também uma panóplia de dificuldades relacionadas com a imagem corporal estabilizadora da auto-estima e a ingestão alimentar caótica que constitui a crise que acarreta um agravamento dos sentimentos de insuficiência e fragilidade psíquicas seguidos do medo de engordar (Sampaio, Bouça, Carmo & Jorge, 1999). De acordo com esta literatura, a estas vivências negativas sucede-se a tentativa de anular a culpa e/ou eliminar o que foi ingerido em excesso, provocada pelo descontrolo alimentar e possibilidade do ganho ponderal. Assim, o indivíduo recorre ao vómito ou ao jejum total nas horas ou dias seguintes ou ainda à utilização de laxantes ou exercício físico excessivo. Deste modo e ainda de acordo com a perspectiva destes autores, estas estratégias têm a função simbólica de “limpar” o corpo dos efeitos do impulso descontrolado de “comer para ficar cheio”. Assim, as crises bulímicas que ao princípio parecem ao indivíduo ser eficazes no controlo do peso, progressivamente convertem-se num comportamento repetitivo e sem eficácia, porque acarretam e salientam sentimentos de inutilidade e baixa auto-estima, podendo o medo de comer e engordar generalizar-se para qualquer quantidade e tipo de alimentos, e levar a situações extremas em que tudo o que é ingerido é eliminado imediatamente.
Causas?
A etiologia única da BN tem vindo a ser substituída por hipóteses multifactoriais, supondo-se que há uma interacção entre três tipos de factores: factores predisponentes, precipitantes e de manutenção (Iglesias, 2004). Os primeiros incluem factores individuais, familiares e culturais (Bakan, Birmingham & Goldner, 1991, cf. Iglesias, 2004; Sampaio, Bouça, Carmo & Jorge, 1999); os segundos referem-se a situações de crise como perdas afectivas ou início de dieta restrita devida a insatisfação com a imagem corporal; e os terceiros são a clínica da desnutrição e clínica associada (Ben-Tovim, Walker, Fok & Yap, 1989, cf. Iglesias, 2004). Sampaio, Bouça, Carmo & Jorge (1999), referem ainda que existem factores biológicos (de origem genética) associados ao desenvolvimento da BN, dado que se conhece que os familiares do primeiro grau dos doentes com BN têm um maior risco (6 a 10 vezes maior) de contrair esta doença em relação à população geral. Ainda segundo estes autores, na BN existe uma diminuição da actividade da serotonina e o aumento da noradrenalina, os quais são responsáveis pelas crises de voracidade de alimentação compulsiva e pela diminuição da saciedade. Alguma literatura aponta mesmo que as Perturbações do Comportamento Alimentar têm uma componente genética significativa (Ross, 2006), sendo que para a BN a hereditariedade estima uma média de 35% a 83% (Kaye, Klump, Frank & Strober, 2000, cf. Ross, 2006).
Complicações?
As complicações médicas ou físicas decorrentes da BN passam pelos vómitos, calosidade entre a articulação da 2ª e 3ª falanges do 2º e 3º dedos (Sinal de Russel), aumento das glândulas salivares, desidratação, edemas, diarreias, hipocaliémia, fraqueza, cáries, perda do esmalte dentário e queda dos dentes, menstruação irregular ou amenorreia e cólicas abdominais (Sampaio, Bouça, Carmo & Jorge, 1999). A auto-estima baixa, ansiedade, depressão, insegurança, sensação de inutilidade e fracasso, instabilidade emocional, impulsividade, ideação suicida e tendência para dependências químicas, são algumas complicações psicológicas deste quadro clínico (Sampaio, Bouça, Carmo & Jorge, 1999).
Tratamento?
Uma grande variedade de intervenções possíveis para a BN é encontrada na literatura, sendo que as mais referidas são a Psicofarmacologia, a Terapia Psicodinâmica, a Terapia Comportamental, a Terapia Cognitivo-comportamental (TCC), a Terapia Familiar, e a Psicoterapia de Grupo (Cárter, Hudson, Lalonde, Pindyck, McElroy & Pope, 2003, cf. Tsai, 2005; Mitchell, Peterson, Myers & Wonderlich, 2001, cf. Tsai, 2005; Peterson & Mitchell, 1999, cf. Tsai, 2005), no entanto, a Terapia Cognitivo-Comportamental aparece referenciada como tendo forte suporte empírico e considerada como a mais eficaz (Fairburn, Jones, Peveler, Carr, Solomon, O’Connor et al., 1991, cf. Epstein & Sloan, 2005; Fairburn et al., 1995, cf. Epstein & Sloan, 2005; Fairburn & Wilson, 1993, cf. Gusella & Casey, 2002;Garner, Rocket, Davis, Gardner, Rockert, Davis, Gardner, Olmstead & Eagle, 1993, cf. Epstein & Sloan, 2005; Walsh, Wheat & Freund, 2000; Mehler, 2003). White & Freeman (2003, cf. Pinzon, Gonzaga, Cobelo, Labaddia, Belluzzo & Bilyk) referem mesmo que no tratamento com adolescentes o método cognitivo-comportamental ajuda a fazer a ligação entre pensamentos e sentimentos e facilita a expressão das emoções.
A Terapia Cognitivo-Comportamental para a BN focaliza-se essencialmente na alteração das crenças, valores e processos cognitivos acerca do peso e forma corporais que mantêm o comportamento alimentar (Majid, Gilroy & Dennis, 1998) e na eliminação dos comportamentos compensatórios típicos da BN (Sokol, Jackson, Selser, Nice, Christiansen & Carroll, 2005). Ou seja, os objectivos de uma intervenção psicológica na BN devem incluir alteração das cognições distorcidas e substituição por pensamentos alternativos, resolução de problemas relacionados com a imagem corporal e auto-estima (Robin, Gilroy & Dennis, 1998). Ebeling, Tapanainem, Joutsenoja, Koskinem, Morin-Papunem, Järvi, Hassinen, Keski-Rahkonem, Rissanen & Wahlbeck (2003) referem que o tratamento de excelência nos Distúrbios do Comportamento Alimentar é aquele que faz recurso a uma equipa multidisciplinar e que inclui o paciente e a sua família.
Relativamente à intervenção cognittivo-comportamental propriamente dita, disponho de um protocolo terapêutico desenvolvido com base na literatura com uma sequência de vinte sessões estruturadas a implementar ao longo de um período de cinco meses (Fairburn, 1985, cf. Robin, Gilroy & Dennis, 1998; Fairburn, Marcus & Wilson, 1993, cf. Sampaio, Bouça, Carmo & Jorge, 1999; cf. Lock, 2005; Epstein & Sloan, 2005; Majid & Treasure, 2003), mais follow-up (Majid & Treasure, 2003). A TCC para a BN aqui referida foi programada em três grandes estádios (Fairburn, Marcus & Wilson, 1993, cf. Sampaio, Bouça, Carmo & Jorge, 1999; cf. Lock, 2005; cf. Epstein & Sloan, 2005; cf. Robin, Gilroy & Dennis, 1998). Por questões práticas e éticas o protocolo não é aqui apresentado.
Saudações Psicológicas,
Sem comentários:
Enviar um comentário